
O Sabotage vai desaparecer tal como o conhecemos – e esperemos que não desapareça de vez. O senhorio do prédio devoluto onde o bar se instalou em 2013 – que é um grupo empresarial ligado ao investimento imobiliário (di-lo logo no nome, Mainside Investments) – quer transformar o empreendimento num hotel. Mais um. O bar localizado no Cais do Sodré não tem para onde ir… ainda. Esperemos que seja mesmo um “ainda“. Os donos estão à procura de uma solução mas dizem que as rendas estão “caríssimas”. O futuro é incerto para o Sabotage que se tornou “não só como uma referência nas digressões de bandas independentes de todo o mundo como para a nova música portuguesa, e tem, desde então, cumprido a promessa de manter uma agenda semanal regular de concertos de quinta a sábado”, como os próprios proprietários defendem num comunicado que enviaram a pedir ajuda de “jornalistas, músicos, editores, agentes, clientes, amigos do Sabotage e a todos os que nos lerem”.
Outros bares do Cais já sentiram o mesmo futuro incerto que agora assola os donos do Sabotage. O Oslo encerrou no final de 2018 ao fim de quase quatro décadas a servir música na Rua Cor-de-Rosa – também por força do grupo Mainside Investments. De saída da rua mais colorida do Cais estão também outros três ícones: o edifício, degrado, onde se encontram o Europa, o Tokyo e o Jamaica vai ser reabilitado para a instalação de um hotel. Sim, outro. Contudo, os três bares já têm casa assegurada pela Câmara de Lisboa junto ao rio, em pavilhões na vizinhança da discoteca B.Leza e do cada vez mais badalado Titanic Sur Mer. A intenção da autarquia é – segundo consta – criar uma correnteza de diversão nocturna à beira do Tejo, para o barulho ficar longe da habitação e da hotelaria – já essa parte da cidade adormece à noite; ruas vazias, sem vida, sem expressão, mas onde se pode dormir sossegado. Poderá o Sabotage mudar-se também para a beira-rio?
Aparentemente, a vida nocturna do Cais do Sodré, que se tornou uma das mais trendy da cidade – até os estrangeiros do Web Summit vão para lá todos os anos –, vai mesmo mudar. Mas não é isso que acontece às cidades? Mudam, transformam-se, adaptam-se. A pergunta que se impõe é: que Lisboa queremos? Será que as mudanças que estão previstas, por exemplo, no Cais – aparentemente forçadas por condicionantes externas mas pensadas por decisores políticos – vão dar certo a longo prazo? Conseguirá a economia turística, que reabilitou tantos edifícios pela zona histórica de Lisboa, cuidar deles no futuro e garantir que não passarão a ser novamente prédios devolutos quando acabar o boom turístico?
O turismo é um negócio de aparências. Importa parecer bonito e arranjado, naquele momento em que o negócio rende. Importa dar para aquela fotografia bonita para o Instagram ou tirar aquela selfie que tantas pessoas tiraram no mesmo sítio. Lisboa é uma cidade que encanta quem a visita, é aquela capital europeia que faltava descobrir (ainda que cada vez por menos pessoas). Mas o turismo, como tudo o que é de aparências, não tem pudor nem afecto, é uma indústria. Usa os espaços para tirar dele o dinheiro que quer, sem limites porque se os há são amplos. Assim não terá qualquer vergonha de largar Lisboa um dia, de a abandonar e de deixar os seus edifícios apodrecer novamente, se vir noutro sítio um investimento mais lucrativo.
O texto continua no Shifter. Também lá vão encontrar uma espécie de carta de amor ao Sabotage, que desafiei o Guilherme Correia a escrever. Obrigado também à publicação Música Em DX , em particular ao Luís Sousa, pela cedência da foto que aqui vêem.