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30 Anos de Mar Limpo

Mais de duas dezenas de Fuzileiros e de outros homens da Marinha substituíram os banhistas no Verão de 1989 aqui, no Almograve. Juntamente com vários funcionários da Câmara de Odemira, que tiveram de deixar as suas tarefas habituais, tentaram remover o crude que, no dia 14 de Julho, um dia de intenso nevoeiro, o navio Marão largou no mar na sequência de um acidente à chegada ao Porto de Sines.

Foi um dos maiores desastres ambientais que a Costa Alentejana sentiu. Estima-se que mais de 4-6 mil toneladas de crude tenham ido parar à água (os números não são certos). As barreiras flutuantes colocadas junto ao Porto de Sines e o dispersante aplicando na zona imediatamente afectada provaram ser insuficientes para travar a maré negra, que acabou por ir de Sines até quase à Zambujeira do Mar, e provocar estragos em diversas praias a que hoje chamamos de paraísos.

A Praia do Almograve foi, de longe, a mais afectada – fruto de uma mancha que se aproximou da terra naquela zona. Os comerciantes deram, de imediato, o Verão como estragado. Retro-escavadoras, gruas, pás e palha mataborrão; bidões e sacos de plástico cheios de crude e de areia suja, prontos para serem levados para aterro sanitário; rochas lavadas com jactos de água quente. Tiveram de ser abertos acessos à praia pelas arribas naturais. Os trabalhos eram muitas vezes inglórios: aquilo que ao final de um dia parecia limpo parecia estar pior na manhã seguinte. O mau cheiro ia persistindo.

As limpezas na Praia do Almograve só se concluíram em Setembro. Teve de existir reforço dos operacionais; no total, terão estado envolvidos 300 homens, que foram almoçando, jantando e pernoitando em diferentes sítios para satisfazer os comerciantes e ajudá-los a atenuar os prejuízos. A SOPONATA, empresa proprietária do Marão, pagou as despesas directas das operações: maquinaria, ordenados, alimentação, etc. Ainda assim, sentindo-se prejudicada e em defesa do concelho, a Câmara de Odemira decidiu processar a SOPONATA; o caso terminou em 1993 com um acordo judicial porque o dinheiro fazia falta à Câmara – a indemnização não foi o valor inicial, mas andou perto.

Ninguém estava preparado para este cenário de calamidade – nem os Fuzileiros, nem o pessoal da Câmara, quer a nível técnico, quer no campo operacional. Tiveram de aprender e de se adaptar à situação. O derrame colocou diferentes entidades que não se conheciam a colaborar, autarquias de Odemira e Sines, autoridades marítimas, Marinha Portuguesa, comerciantes, população em geral, etc. Há histórias de pescadores que colocaram à disposição as suas embarcações. Esse espírito de inter-ajuda é bom de se ver, como foi bom ver a juventude e boa disposição que os Fuzileiros levaram até ao Almograve, imprimindo um lado mais positivo em todo o negro da situação.

Na comunicação social pouco se falou deste acidente petrolífero e ambiental. O caso andou pela comunicação social mas, tirando a RTP ou o Expresso, parecia existir pouca preocupação com o que estava a passar no Alentejo. Abandono da parte do Governo e do lado da União Europeia – esta terá entendido que era um problema de pequena escala e saltou fora com ajudas.

O mar da Costa Alentejana está limpo há 30 anos, mas o perigo está sempre à espreita. Apesar de existir maior vigilância, mais meios e mais regulação, e coimas mais altas – ou seja, de existirem mais coisas escritas –, na prática não se está garantidamente a salvo de outro desastre. Por exemplo, um derrame de hidrocarbonetos voltou a acontecer em Abril deste ano– foram apenas 250 quilos e o produto ficou totalmente restrito à zona do cais do terminal portuário. Fala-se muito na ampliação do Porto de Sines, parece que é para avançar, como ficará o nosso Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina?


Acho que é importante sabermos e investirmos tempo a conhecer estas histórias. Acho que seria egoísta da minha parte passar tempo numa determinado sítio sem me importar com o que esse local tem para dizer, contar, partilhar. A Câmara de Odemira decidiu assinalar os 30 anos do desastre do Marão com a exibição de um documentário (espero que venha a disponibilizá-lo online), uma exposição (está na Praça dos Fuzileiros, no Almograve, até ao final desta época balnear) e uma tertúlia com quem presenciou este incidente. E assim fiquei a saber mais sobre o Almograve.

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