Concordo muitas vezes com o que Pacheco Pereira diz, escreve ou comenta, e admiro, por alto, o seu trabalho, nomeadamente a sua biblioteca e arquivo pessoal, o Ephemera. Não gosto desta recente demonização de pessoas com opiniões contrárias à norma de todos ou de um grupo que tanta vezes é feita nas redes sociais. Cada um é livre de pensar e argumentar, e não há algo mais giro do que poder contrapor e apresentar outras ideias. Sem insultos, nem gritos em 280 caracteres.
Recentemente, cruzei-me com este artigo do Pacheco Pereira na revista Sábado, do qual está disponível este excerto. Na versão completa, que dá para ler aqui e que não é assim tão maior, podemos encontrar a sua conclusão: “Ouço o susurrar invisível: e os transportes públicos? Certamente que sim, mas devo esperar sentado para que isso aconteça, quando as prioridades anunciadas estão todas do lado das trotinetas. Até porque é mais barato.”.

Eu entendo a perspectiva de Pacheco Pereira, mas acho que é uma posição fácil, baralhada e pouco fundamentada. Vamos por pontos:
- sim, a Câmara Municipal de Lisboa está a apostar em soluções de “mobilidade suave”. Tem em marcha um plano para criar mais de 200 km cicláveis na cidade, está a acolher empresas privadas de trotinetas e bicicletas, e disponibiliza um serviço público de bicicletas partilhadas (a GIRA). Essa estratégia cria alternativas na cidade e é importante para diminuir a dependência do carro privado;
- o automóvel beneficia hoje em Lisboa e noutras cidades de demasiado espaço se compararmos com o espaço que é atribuído a outras formas de mobilidade. Basta pensar nas estradas largas rodeadas por passeios curtos, nos passeios inexistentes, desconfortáveis ou ocupados por carros, nos lugares de estacionamento automóvel que existem em excesso na cidade, no trânsito caótico que atrapalha as principais artérias e zonas centras, na poluição sonora e atmosférica que ensurdece e prejudica a saúde pública da cidade, etc;
- as bicicletas e as trotinetas, com uma infra-estrutura adequada e equilibrada podem ser alternativas para nos movermos em Lisboa, uma cidade que até tem zonas contíguas bastante planas. As bicicletas e trotinetas com assistência eléctrica poupam o esforço físico em subidas – mesmo a da Alameda (comprovado com uma bicicleta da JUMP);
- as bicicletas e trotinetas não afastam crianças, deficientes ou idosos. Pelo contrário, são os carros estacionados em passadeiras, em curvas ou em cima de passeios que afastam crianças e idosos do espaço público e que atrapalham a mobilidade dos mais frágeis. Crianças a ir de bicicleta para a escola? Não é preferível a irem com os pais de carro, criando trânsito e poluição junto às escolas? Idosos a andar de bicicleta? Vê-se e chama-se envelhecimento activo. Bicicletas adaptadas para determinadas deficiências motoras? Existem, sim;
- por fim, criar infra-estrutura ciclável e melhorar a mobilidade pedonal são investimentos simples e baratos, quando comparados com a construção de uma nova estação e de um novo túnel de metro, por exemplo. Não esquecer que está a existir investimento em transporte público em Lisboa, quer na Carris desde a passagem da sua gestão para a autarquia, quer no Metro até 2023. Não esquecer também a redução abrupta no custo do transporte público com a unificação dos passes que foi feita Abril ou a ideia de lançar a Carris Metropolitana – uma marca única para os autocarros da AML com uma bilhetica única e um mapa de rede único.