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Uma viagem à Lisboa de 1990

A Lisboa “cosmopolita” que hoje conhecemos e por onde caminhamos não é assim muito antiga. No arranque dos anos 1990 – ou seja, quando eu nasci –, o Terreiro do Paço era ainda um amplo estacionamento automóvel, a Rua Augusta acabava de ser calcetada, Telheiras estava a ser feita, o Parque das Nações era uma zona fabril, havia vilas operárias e bairros de barracas espalhados pela cidade, e na Avenida Miguel Bombarda cortavam-se árvores já com alguma idade para o trânsito fluir melhor.

Naquela altura, Lisboa parecia ser uma cidade ainda pouco desenvolvida (e talvez atrasada em relação a outras capitais), mas onde o progresso lá ia entrando, moldando ruas e avenidas, redesenhando bairros e alterando as dinâmicas sociais. Em resultado disso, nestes últimos 25-30 anos, Lisboa tornou-se muito diferente – cometeram-se erros mas também houve avanços bastante positivos.

Uma das melhores formas de verificar essa evolução de Lisboa é por uma série documental da RTP chamada Bairros Populares de Lisboa, que descobri na RTP Memória e que depois acabei de ver quase em binge-watching no site RTP Arquivos. É um valioso e pormenorizado registo audiovisual da capital entre os anos 1989 e 1991, dividido em 40 episódios, cada um dedicado a uma zona específica, do Lumiar ao Saldanha, do Poço do Bispo a Belém. Mas, para mim – que nasci na altura em que esta série foi produzida e que por isso não tenho memória da cidade nela retratada –, Bairros Populares de Lisboa é também um ensinamento de que a Lisboa moderna onde vivo actualmente era quando nasci um espaço com muita ruralidade, alguma pobreza e muito pouca “sofisticação”.

O Terreiro do Paço cheio de carros e a Rua Augusta a ser calcetada:

A parte nova de Telheiras a ser construída:

O edifício-sede da Caixa Geral de Depósitos a nascer no Campo Pequeno:

Um mercado que já não existe na zona entre o Saldanha:

Árvores a serem cortadas na Avenida Miguel Bombarda para melhorar a fluidez do trânsito (hoje aquela artéria tem um só sentido e árvores mais pequenas nos estacionamentos laterais):

Uma fábrica à Avenida Marechal Gomes da Costa, hoje Parque das Nações:

Nas ruas e jardins havia bem mais pessoas a passear, descansar ou brincar:

Vilas operárias e bairros de barracas no coração de Lisboa:

Um aspecto bem interessante de Bairros Populares de Lisboa são os comentários do narrador – o jornalista António Luís Rafael (encontrei esta entrevista que lhe foi feita em 2017) –, que se mostra muito crítico do ‘progresso’ (como o próprio apelida) que está, no final do século, a tomar de assalto Lisboa, levando à extinção de algumas vivências que, ainda que humildes ou simples, podiam ser identitárias da cidade. Gostava de ouvir o António Luís Rafael a fazer uma retrospectiva da Lisboa de hoje.